Embora as discussões sobre privacidade e proteção de dados estejam ganhando cada vez mais espaço, ainda é escasso esse debate no que diz respeito às crianças e adolescentes. Para alertar sobre a ocorrência de políticas e ações de agentes públicos e privados que colocam em risco a privacidade de crianças e adolescentes no Brasil, o programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, e o InternetLab lançam o relatório inédito “O Direito das crianças à privacidade: obstáculos e agendas de proteção à privacidade e ao desenvolvimento da autodeterminação informacional das crianças no Brasil”. O documento está disponível gratuitamente para download em português e inglês.
O conteúdo do relatório destaca como a coleta e tratamento massivos de dados pessoais de crianças e adolescentes no uso de plataformas digitais representa riscos à sua segurança e integridade física e psíquica, considerando as possibilidades de vazamentos ou de exposição indevida dessas informações. Além disso, o documento destaca como o uso desses dados pessoais para fins de exploração comercial – por exemplo, para o direcionamento de publicidade comportamental – pode prejudicar o desenvolvimento de crianças e adolescentes, que ainda não possuem discernimento para compreender o caráter persuasivo de tal publicidade.
“A maioria das tecnologias e plataformas digitais não foi concebida para crianças e adolescentes, de forma a considerar a fase peculiar de desenvolvimento que atravessam. Apesar disso, é inegável que eles são alguns dos principais usuários de aplicativos e plataformas digitais que operam dentro do modelo de negócio de exploração comercial de dados pessoais, o qual, por si só, desafia a preservação da autonomia e do desenvolvimento infanto-juvenil. Diante deste quadro, o relatório tem o intuito de expor publicamente, e de forma urgente, violações diárias que têm ocorrido à privacidade e proteção de dados de crianças e adolescentes no Brasil, destacando, ainda, como elas atingem de forma desproporcional aqueles em situação de maior vulnerabilidade social”, ressalta a advogada do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, Marina Meira.
Outro perigo destacado pelas organizações é o fato de que crianças e adolescentes no Brasil têm sido submetidos de forma compulsória à coleta de dados biométricos, especialmente em serviços públicos, como hospitais e transportes. O uso dessas tecnologias biométricas sem o respeito a princípios de proteção de dados (tais como a adequação e a necessidade) cria riscos, como o roubo de identidade, e reforça um aparato de vigilância que acaba por atingir crianças e adolescentes muitas vezes desde o seu nascimento.
O relatório também faz um alerta sobre a privacidade de crianças e adolescentes diante de um maior tempo de uso de telas na pandemia, o que acaba elevando a exposição a riscos como cyberbullying e divulgação de imagens íntimas. Além disso, também chama atenção para casos que envolvem a exposição ilegal de dados pessoais sigilosos de crianças e adolescentes vítimas de violência, diante da datificação da Justiça.
“O recrudescimento do conservadorismo, observado nos últimos anos, tem associação direta com a dificuldade social de compreender que crianças e adolescentes têm direito à privacidade o que, consequentemente, tem relações diretas com outros problemas sociais. Um exemplo disso é como a educação sexual não é entendida consensualmente como uma iniciativa que pode protegê-las (os) e ajudá-las (os) a identificar diferentes práticas violentas. Ao mesmo tempo, a falta de educação digital também abre brechas para que crianças e adolescentes se tornem vulnerabilizadas em diferentes situações. Por essa razão, o incentivo à educação sexual e digital, assim como a necessidade de que a Justiça proteja os dados das crianças e dos adolescentes, são pontos fundamentais para combater os riscos e as violências perpetradas nos cenários on-line e off-line”, destaca a coordenadora da área de desigualdades e identidades, do InternetLab, Fernanda K. Martins.
O relatório “O Direito das crianças à privacidade: obstáculos e agendas de proteção à privacidade e ao desenvolvimento da autodeterminação informacional das crianças no Brasil” foi encaminhado pelo Instituto Alana, por meio de seu programa Criança e Consumo, e pelo InternetLab para a Relatoria Especial do Direito à Privacidade da Organização das Nações Unidas (ONU), em consulta pública que reuniu opiniões e pesquisas sobre o direito das crianças e adolescentes à privacidade e como ele influencia o desenvolvimento e a autonomia infantil.
Criado em 2006, o programa Criança e Consumo , do Alana, atua para divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas à publicidade dirigida às crianças, bem como apontar caminhos para minimizar e prevenir os malefícios decorrentes da comunicação mercadológica. O Instituto Alana é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que aposta em programas que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância. Criado em 1994, é mantido pelos rendimentos de um fundo patrimonial desde 2013. O InternetLab é um centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia, sobretudo no campo da Internet. Constituído como uma entidade sem fins lucrativos, atua como ponto de articulação entre acadêmicos e representantes dos setores público, privado e da sociedade civil.